Monte do Olival Descobri esta parte do Porto medieval por acaso quando estava a explorar as ruas atrás da Cadeia da Relação. Reparei numa placa posta ao lado da porta principal do Mosteiro de São Bento, escrito em português e hebraico, que lembrou e lamentou da expulsão dos Judeus do Porto ao final do século XV.
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Estranhei ver uma placa assim, o único sinal de que havia uma comunidade judia no Porto, ainda mais raro por ter sido posto no muro de um mosteiro cristão. De tudo que tinha pesquisado até então, nunca tinha achado nenhum livro nem parte de um livro que se tratava disso. Numa cidade onde aparece uma igreja católica de cem em cem metros quadrados, aquela placa modesta destacou-se e despertou a minha curiosidade sobre este capítulo da história portuense. Permanecem poucos vestígios desta comunidade medieval, ou antes ou depois da criação da judiaria. Em Lisboa, no Museu Arqueológico do Carmo, achei duas lápides e uma placa comemorativa pertencente à uma sinagoga da zona de Monchique (perto de Miragaia), todas datadas do século XV. Além disso, parece-me que relativamente pouca informação exista sobre este aspecto da história da cidade. Mas, porquê isso? me perguntei. |
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Segundo o que eu descobri mais tarde, conviviam os judeus com os outros cidadãos portuenses desde há centenas de anos, bem antes da criação do burgo Portucale. Esta comunidade, de tamanho formidável e influente, encontrou-se espalhada pela Ribeira, Miragaia e outras zonas. 27 Porém, devido a vários factores, mas sobretudo, devido ao sentimento anti-judaico da altura, D. João I mandou em 1386 que se concentrasse a comunidade judia num bairro só. Assim criou-se a Judiaria do Olival. Quer dizer, criou-se um gueto para os judeus portuenses, quatro hectares em cima do Monte de Olival, um morro com uma altitude mais ou menos igual à do Morro da Sé. | ||
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Não bastou esse edicto soberano para lidar com «a questão judaica». Em 1496, D. Manuel mandou a expulsão dos judeus de Portugal, quer dizer, a expulsão dos que não se submeteram à conversão forçada para se tornarem os cristãos-novos.28 A meados do século XVII, cento e cinquenta anos após a expulsão dos judeus, construíram os frades beneditinos o Mosteiro de São Bento da Vitória onde havia as casas, as lojas, a sinagoga.29 Enfim, a história repetiu-se, o novo símbolo do poder religioso a instalar-se em cima do que existia, igual ao que aconteceu no Morro da Sé a meados do século VI. Até a toponímia da área foi alterada para reflectir a chegada dos novos habitantes: a Monte do Olival, a antiga judiaria, tornou-se a Monte da Vitória (talvez para representar uma vitória do catolicismo sobre o judaísmo). Com essa mudança de nome, apagaram-se também muitas recordações de um povo e as suas contribuições ao Porto.
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Após a expulsão manuelina, a próxima sinagoga portuense não foi construída até 1929. Vale mencionar que a placa comemorativa, a que vi no lado do mosteiro e a que me despertou a minha curiosidade sobre o Olival, foi posta lá só na última década, enfim, após quinhentos anos de ausência das páginas da história portuense.
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![]() Pedra comemorativa com inscrição hebraica, datada do século XIV, no Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa |
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Notas 27 Ramos, Luís Oliveira,
ed., História do Porto (Porto: Porto Editora, Lda., 1995),
214.
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