A Igreja de São Francisco

No decorrer da idade média, a igreja e o mosteiro franciscanos sofreram várias edificações e transformações começando em 1245 e terminando em 1425. 67

Originalmente uma construção modesta de estilo gótico, o interior da igreja não possuia nada da talha dourada que se revestiria mais tarde; o material saliente era o granito, típico da maioria dos edifícios da região. Ainda se vê nos arcos apoiando a abóbada a pintura que cobria a pedra cinzenta, o qual seria mais característico de uma igreja franciscana gótica (não se especifica se esta pintura é a original ou se é pintura restaurada). Dentro da capela lateral, logo após a entrada, do lado esquerdo, existe uma escultura em madeira policromada de S. Francisco de Assis, datada do século XIII. Esta obra simples e humilde, assim como o granito pintado à mão para representar o mármore, são quase os únicos vestígios da época gótica da igreja. O resto, porém, pertence à riqueza da época moderna.

Quando entrei na igreja, fiquei quase boquiaberta ao ver tanto ouro, literalmente dos pés das colunas aos cumes das abóbadas que as sustentavam. Pareceu-me que tudo estava coberto de folha de ouro, o efeito cintilante realçado pela talha intrincada que reveste o corpo de pedra. Percorri a igreja toda, a admirar a complexidade do artesanato, feito em homenagem a Deus e à fé cristã.

Mas porquê tanto ouro?, perguntei-me, um pensamento talvez um bocado ingénuo. A resposta chegou-me logo, ao voltar à entrada da igreja, onde reparei uma placa pequena. Li-a duas ou três vezes. Depois de cada leitura, revi o interior da igreja, a entender cada vez melhor o motivo por trás desta mostra de luxo. No século XVIII, explicou a placa, as famílias mais ricas do Porto doaram milhares de mil-réis para enfeitar, nos seus nomes e nas suas memórias, a igreja. Segundo o texto, naquela altura, a ideia prevalente era a de que se podia assegurar melhor a possibilidade de entrar pelas portas do Céu se se fizessem grandes contribuições à Igreja.

Ora, o texto não o explicou de maneira tão cínica assim, mas foi essa ideia essencialmente que incentivou o gasto de tanto ouro, cobrindo, literalmente, as origens humildes da tradição franciscana; basta comparar a modesta escultura policromada de S. Francisco do século XII com os altares dourados, feitos quinhentos anos mais tarde. Tampouco era essa ideia uma novidade; o costume de fazer doações por motivos religiosos à procura de uma «garantia espiritual» estende-se há séculos. Mas ao estar na igreja e ver tanta ostentação e luxo à minha frente, o texto encheu-me com um sentimento de tristeza assim como de admiração pelo que vi.

Para mim, a Igreja de São Francisco como se conhece hoje, com as naves e os altares revestidos de talha dourada, é testemunho da fé e da inspiração que ela dá aos mestre-artistas do século XVIII. Mas também, considero-a também um testemunho da ligação complexa entre a Riqueza, o Poder, a Igreja.

 

Obs: Todas as imagens nesta página pertencem ao folheto «Igreja Monumento de S. Francisco: Roteiro» (Porto, data de publicação desconhecida)

 

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Fachada nascente da igreja


Altar da capela da Nossa
Senhora da Soledade


Altar e retábulo da Árvore de Jesse


Escultura policromada de
S. Francisco de Assis, do séc. XII

 

 


Notas

67 Igreja Monumento de S. Francisco: Roteiro. Autor e data desconhecidos.

 

Bibliografia