Os Cinemas do Porto: Cinema Águia d’Ouro

Tomei o meu primeiro passo no caminho da história portuense do século XX quando estava a tirar fotos do Cinema Àguia d’Ouro. Dois senhores que passavam ali resmungaram entre si ao ver uma turista a tirar fotos de um cinema num estado de desmoronamento. De impulso, perguntei-lhes se sabiam algo deste edifício que achei ao mesmo tempo belo e triste. Começaram a contar-me partes da sua história: que fechou as suas portas ao público há vinte anos, que no seu café se encontravam os sócios do Clube Fenianos Portuenses, o primeiro lugar no Porto, segundo um dos senhores, onde as mulheres foram permitidas fumar em público. Esta última coisa interessou-me muito, sendo do género de acontecimentos históricos que raramente se encontra nos livros. Ao ouvir isto, resolvi descobrir mais sobre este lugar e o contexto sócio-histórico em que existia.

Embora a história do cinema pertence ao século XX, as origens do Cinema Águia d’Ouro pertencem ao século XIX. Antes de se tornar cinema, era o Café Águia d’Ouro. Em Janeiro de 1839, apareceu um anúncio sobre o café no jornal O Atleta, oferecendo «...diversas bebidas com bons serviços...Também se aceitam toda a qualidade de encomendas e jantares para fora, etc.»100

No livro Porto Desaparecido, o escritor Magalhães Basto fez a seguinte descrição do Águia d’Ouro em 1932, depois de se tornar teatro: «Uma águia coroava a tabuleta do estabelecimento, colocada sobre a fachada amarela da casa modesta. Ao nível da rua, frouxamente iluminado, era o café com o seu bilhar [...] No andar superior ficava a hospedaria [...] onde a mocidade estúrdia e folgazã se reunia frequentemente em jantares e ceias animadíssimas.» 101

Uns setenta anos mais cedo, porém, o olisipógrafo Júlio Cesar Machado ofereceu-lhe, na sua obra Centas da Minha Terra, uma descrição menos lisonjeira (e, sendo olispógrafo, talvez um bocado parcial): «A Águia d’Ouro é um botequim no estilo do nosso imortal Café do Marcos Felipe ao [largo do] Pelourinho. O mesmo género de pintura, de arquitectura e de serviço, --como todos os betquins do Porto aliás, a exceptuarmos o de D. Pedro, que peca apenas por ser de um exagerado estilo. É uma casa escura, antipática por fora, feia por dentro, húmida, velha, embirrante.» 102

Aos poucos, o Águia d’Ouro modernizou-se. Em Agosto de 1907, estreiou o «Cynematographo Edison», um espectáculo dividio em três partes e visto com um só bilhete. Em 1908, o teatro também se abriu ao cinema e a novidade do «cronomegahpone», com os preços de entrada económicos: cadeiras por 100 réis e galerias a 50 réis. A licença para construir uma sala de espera foi outorgada pela Câmara Municipal em Julho de 1908 103 e em Outubro de 1910, outra foi outorgada para construir um coberto para o cinema. 104

Após a chegada do cinema sonoro, com a estreia do filme All That Jazz, o Águia d’Ouro manteria por muito tempo depois o seu estatuto de ser uma das melhores salas de cinema do Porto.105 O cinema reabriu a 7 de Fevereiro de 1931 com nova fachada de vidro e uma águia dourada sobre o pórtico. No interior, ornava-se de mármores e espelhos a revestir as paredes e, no segundo andar, o salão de bilhar e o salão dos chamados «jogos lícitos». 106

Hoje, os únicos vestígios do seu grande passado que permanecem são a águia dourada sobre o pórtico o letreiro com o seu nome. Nos anos noventa do século passado, houve uma campanha para restaurar o cinema, mas parece que os esforços dos portuenses deram pouco resultado, pois as portas ainda estão fechadas e o cinema, como se vê nas fotos, fica em ruínas. Um (possível) triste fim para um edifício cujo passasdo figura tanto na história do Porto.

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A fachada actual do cinema


A entrada do cinema, com a sua águia, em estado de desmoronamento



Exemplos de cartazes e anúncios para os espectáculos e os filmes ao longo do século XX. (Imagens do site www.cinemasdoporto.com)


O cinema nos anos 60 ou 70
(imagem do site www.cinemasdoporto.com)

 


Notas

100 Marina Tavares Dias e Mário Morais Marques, “Os Cafés do Porto”, em Porto Desaparecido (Lisboa: Quimera Editores, 2002), 153.
101 idem, 153.
102 idem, 153.
103 Arquivo Histórico Municipal do Porto. Livro de plantas de casas, vol 212, folhas 483-487, processo 497/1908 (Locais: Praça da Batalha, Largo de Sto. Ildefonso).
104 Idem, Livro de plantas de casas, vol 250, folhas 143-149, processo 1234/1910 (Locais: Praça da Batalha, Largo de Sto. Ildefonso).
105 http://www.cinemasdoporto.com/cinemas_Aguia.htm
106 Marina Tavares Dias e Mário Morais Marques, “Os Cafés do Porto”, em Porto Desaparecido (Lisboa: Quimera Editores, 2002), p.155.


Bibliografia